Antes que 2008 se vá, é preciso
registrar que este ano corresponde ao septuagésimo aniversário de
fundação do primeiro hospital de Mossoró.
Isso mesmo, inaugurado em 1938, o Hospital de Caridade, hoje Duarte
Filho, foi o primeiro nosocômio erguido na terra de Santa Luzia. Mas, ao
invés de seu pioneirismo e de seu aniversário servirem de pretextos
para festivos comentários, o que ocupou as páginas dos jornais da
província, durante o ano jubilar, foram manchetes sobre seu possível
fechamento.
Faz-se necessário que a história do Duarte Filho seja resgatada.
(Conheço somente um texto de autoria do professor Wilson Bezerra de
Moura, publicado em forma de plaqueta, pela Coleção Mossoroense,
intitulado "Hospital de Caridade de Mossoró – Um documento Histórico").
Considero de suma importância que se saiba um pouco mais sobre as
vicissitudes de sua aparição e, em especial, que os nossos acadêmicos de
medicina e enfermagem tenham a dimensão da realidade vivida em nossa
região, na área de saúde, em um passado não tão distante e,
principalmente, que todos conheçam o perfil empreendedor do grande
mossoroense Francisco Duarte Filho.
A biografia do saudoso senador Duarte Filho é um tanto desconhecida
por seus conterrâneos, e isso é muito ruim, pois os bons exemplos
deveriam ocupar melhores espaços para servirem de referência e
paradigma. Em co-autoria com Lupercio Luis de Azevedo, lançamos em 2005
(ano do centenário de nascimento do homenageado) o livro: Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política;
e o fizemos com o claro objetivo de resgatar um pouco da história do
homem, do médico e do político, e de tentar traduzir –já a partir do
título –, um pouco do seu perfil ético, austero, honrado e exemplar.
Quando Duarte formou-se em medicina, no final de 1933, no Rio de
Janeiro, e resolveu regressar à sua terra, encontrou a construção do
hospital arrastando-se vagarosamente. Ciente da urgente necessidade da
edificação do mesmo, para preencher uma enorme deficiência da cidade,
que à época já contava com considerável população, ele assumiu a árdua
tarefa de coordenar o grupo que arrecadava contribuições e administrava a
obra.
Com fortes e incontroversos argumentos, Duarte Filho passou a liderar
uma mobilização altruísta, que amealhou considerável adesão à meritória
empreitada. Contou, inclusive, com um emblemático exemplo dentro de sua
própria casa, pois seu pai, agropecuarista Francisco Duarte, conhecido
por Chico Lequeter, passou a destinar, por anos seguidos, parte da renda
do leite de sua fazenda para contribuir com a edificação do hospital.
Cerca de quatro anos após a chegada do doutor Duarte, o hospital era
inaugurado. Não carece dizer que a presença de tão importante
instituição provocou mudanças de perspectiva, em termos sanitários,na
cidade e na região.
Um exemplo, relatado pela senhora Áurea Anselmo, em depoimento para o
livro acima citado, foi um grave acidente ocorrido logo em um dos anos
seguintes ao inicio do seu funcionamento, quando um caminhão, tipo
pau-de-arara, ingurgitado de romeiros procedentes de Canindé, no Ceará,
capotou bem próximo a Mossoró. Dona Áurea recorda a ágil mobilização de
Duarte que, ao tomar conhecimento do fato, saiu pessoalmente convocando
os profissionais (eram poucos, na cidade) que estavam em casa, de folga,
arregimentando assim grande esforço para salvar o maior número de
vidas.
E nem carece dizer que tudo foi possível pela existência do hospital.
No mesmo depoimento, dona Áurea faz questão de salientar a grandeza
de espírito de Duarte que, militando na política partidária, não se
deixava levar pelo acirrado maniqueísmo interiorano. Cita até um caso,
motivo de estranheza e bochichos por parte do corpo funcional do
hospital, que foi a acolhida de um novo médico, filho de um líder
político do Alto Oeste, adversário de Duarte, cujo fato, para alguns,
era inadmissível.
Duarte, em resposta, disse apenas que, acima das questões política,
estava a saúde da população. Contou-me certa vez Arita Duarte, filha do
doutor Duarte Filho, que, no início dos anos sessenta, recém-formada,
quase todos os dias era acordada carinhosamente por seu pai, para que os
dois começassem as cirurgias antes dos primeiros raios solares, pois
era imprescindível aproveitarem o clima ameno da madrugada, já que as
salas não contavam com ar refrigerado dos modernos aparelhos.
Enfim, durante 35 anos – metade da existência do hospital – o criador
dedicou-se à criatura de uma forma tão intensa que este espaço seria
diminuto para relatar os inúmeros e surpreendentes relatos de abnegação e
desprendimento.
É óbvio que o destino do hospital Duarte Filho será determinado pelas
circunstâncias e pelos ditos critérios técnicos e políticos. Mas, seja
qual for, fica a pergunta: E o que farão com o discreto busto de seu
patrono que quase anonimamente o contempla?
Que os olhos pétreos de Francisco Duarte Filho possam brilhar ao
contemplar a continuidade do seu trabalho… A bem da saúde de todos os
mossoroenses.
David de Medeiros Leite – david.leite@uol.com.br - COLUNA HERSOG, CARLOS SANTOS